quinta-feira, 23 de junho de 2011

Just a perfect day

  Assim que bateu a porta atrás de si, jogou-se pesadamente no sofá. Sem ligar o interruptor, caminhou até o toca discos e escolheu o de sempre, o disco que ouvia em noites como aquela, deixou que tocassem as primeiras faixas, foi criando o clima adequado, aproximou-se da janela, olhou o céu apagado da noite, sem estrelas, apenas iluminação da rua e resolveu abrir uma garrafa de vinho barato. À medida que as faixas avançavam os sentimentos cresciam na mesma proporção até que, por fim, chegou o ápice, Perfect Day, a letra o deixava triste, a voz de Lou Reed o desesperava e a melodia, Deus! Simplesmente não podia caber em si de tanta dor, a dor que não partilhava com ninguém e que era egoistamente toda sua. Queria que toda ela estivesse dentro dele e que o fizesse explodir, que no dia seguinte, quando não aparecesse no escritório, a chamada na secretária eletrônica encontrasse sua cabeça partida em milhares de pedaços e que seu peito, estivesse aberto e vazio. Acalentando todos estes pensamentos e com o vinho fazendo efeito cantou a plenos pulmões o refrão melancólico: 'it's such a perfect day'. Ele nunca havia passado com ninguém um dia como aquele descrito na música , nem com os pais, amigos ou qualquer mulher de ocasião e a mais remota idéia de que jamais o passaria aumentou ainda mais sua dor e desespero. Patético, se jogou na grade da varanda e chorou, muito, até sentir que toda a dor do mundo tomava conta de seu corpo. Abraçado à grade, bêbado e dolorido deixou que a garrafa escapasse por entre as barras, morava no sétimo andar, acompanhou sua queda com os olhos semicerados, por fim, escutou o som estridente da garrafa se partindo e pensou: ‘ihh’. Segundos após seu pensamento ouviu um grito de horror vindo lá de baixo, não era do demônio que o aguardava e nem de uma potencial vítima, mas do síndico:
- Filho da puta! Tá querendo matar alguém?
- Não... não, Seu Zé, desculpa.
- Vê se dorme, seu pinguço, e desliga essa música de viado!
Envergonhado, mas satisfeito voltou para a sala, afrouxou a gravata, pegou o telefone e discou para o número que já estava na memória do aparelho.
- Laurinha? Viu... ou a gente estréia logo essa peça ou os vizinhos vão me mandar embora... a cena da garrafa já tá perfeita...

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