domingo, 5 de junho de 2011

7:30 a.m. Parte I

Sentada no banco mais alto do ônibus, torta e preguiçosa, avistou-o do lado de fora, era a primeira vez que se viam. Enquanto o olhava, notou que ele também a observava e a conversa telepática iniciada naquela noite perduraria até o desembarque.

Ele se aproximou da catraca, passou o cartão no aparelho, sem que deixasse de olha-la, a frágil comunicação entre os dois aos poucos ganhava corpo, ela sabia que não podia desviar o olhar e que devia dizer a ele tudo o que se passava em sua mente por meio de seus olhos. Ele caminhou pelo corredor e decidido se sentou ao lado dela, ela havia se esquecido, ou, distraída que era, não percebera que o assento ao lado da janela estava desocupado, surpreendida pelo aceno de cabeça, que lhe devolvia ao mundo real, consentiu que o rapaz passasse entre seus joelhos e o banco da frente para, enfim, acomodar-se a seu lado e mais uma vez abaixar e levantar a cabeça num movimento rápido, quase nervoso, ainda olhava para ela, que retribuía numa tentativa desajeitada de transparecer certo ar de mulher fatal.

Desligou a música que ouvia, e se porventura ele resolvesse puxar assunto? Ele também ouvia música ou, talvez, como ela, também desligara o aparelho já que ela não escutava qualquer ruído vindo de seu fone. Talvez, também como ela, tivesse se esquecido de tirar os fones do ouvido, para que o outro percebesse a vontade de um diálogo vocalizado.

Se olhavam indisfaçadamente, nada diziam, muito comunicavam. Ele adivinhava o pensamento dela, pensavam o mesmo, ainda que os olhos não se encontrassem podiam senti-los no momento em que realizavam pequenas incursões por seus corpos.

Ela percebeu que se nada fosse dito naquele instante não seria também posteriormente, não haveria um depois, provável que não, olhou para o lado, sua boca se abriu numa tentativa de despedida, mas nada saiu, sinalizou ao motorista para descer no próximo ponto, levantou-se pesadamente e de costas para ele se lamentou, já na porta do coletivo virou-se pela última vez e percebeu que ele a acompanhava com o olhar. Desembarcou, agora era ela do lado de fora do ônibus e ele no assento mais alto, a troca de olhares continuou até o ônibus se afastar. O ônibus passou, o momento também, ele passou... e ficou.

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