sábado, 5 de março de 2011

Mãos, pés, nariz. O frio e o calor

Tenho mãos e pés frios. A ponta do nariz, também. Faz frio lá fora e a tarde cinzenta traz recordações do que foi e do que ainda não chegou. As lembranças do que está por vir invadem o espaço deixado pelo que passou e consomem aos poucos o calor que ainda resta na sala de estar dos pensamentos, antes ocupada por deambulações sinestésicas. O tango nunca admirado in loco, as cordilheiras que rasgam o céu azul e os luminosos de Tóquio, tal como recortes de revista, fazem a vez do protetor de tela de meu desktop mental. O gosto do chá continua no paladar e o travo na língua remete a lembranças vizinhas.

Meus pés estão firmes no chão e o vento que entra pela janela me lembra do dia em que os molhei nas águas frias do Pacífico, naquela viagem ao Chile, onde nunca estive. Lembro-me também de já os ter molhado em outras águas frias, onde estive, ainda que custasse a crer.

Minhas mãos frias sustentam o queixo, logo abaixo de um olhar que contempla o cinza indeciso da tarde, visto pelo vidro de uma janela fechada, farta em gotejos de cusparadas dos querubins entediados. O olhar, mira um tanto mais além ansioso por encontrar aquelas mãos que emprestaram calor às minhas, já enrugadas, no meu aniversário de 62 anos. As mãos ainda se lembram do calor de outras e de por alguns instantes terem permanecido em temperatura normal, ainda que com um calor emprestado.

A ponta gelada de meu nariz transporta-me ao frio estádio da final do Mundial Interclubes de Dezembro de 2020, entre Palmeiras e Barcelona, no Japão. Lembra-me também das manhãs frias em que minha mãe com mãos quentinhas me agasalhava para ir à escola, mas, apesar de seu empenho, o nariz continuava gelado e passados muitos anos descobriu que apenas lágrimas quentes e beijos ardentes o poderiam esquentar.

3 comentários:

Danielle disse...

Uau...

Danielle disse...

Sabe qdo se lê Pessoa e sente um gosto assustador de que o que há de mais secreto em sua alma foi escancarado, docemente, naquelas linhas?

Sei q sabe...

Pois é...seu texto me provocou isso tbém...

Tô aqui...destrinchada por suas palavras...

Beijo, querida Pessoinha!

Sem tempo para manter um blog disse...

Fico feliz por saber que meu texto procou algo. Mais feliz ainda por saber que esse algo foi provocado em você '...aqui...destrinchada...'por palavras q agora me orgulho de ter escrito.

Pessoa... vc que é uma grande pessoa e enxerga potencial em tudo!

Beijo, minha cara!!!