sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Posso ajudar?

Naquela tarde ele só queria conversar. Assim que entrou pela porta percebi que seus olhos procuravam avidamente por qualquer uma de nós. Eu me aproximei e antes mesmo de lhe apresentar minhas melhores opções o homem iniciou um diálogo sobre o tempo e sobre como nessa época quente é salutar a chuva do fim de tarde. Ao notar seu desinteresse pelo que pudesse lhe oferecer naquela tarde, resolvi acatar sua vontade, de apenas conversar. Em nosso diálogo privado éramos os melhores interlocutores. Apontei a janela e mostrei a ele nosso jardim, regado todas as manhãs por alguma das moças da casa, contei a ele sobre minha predileção por gérberas, tão alegres, abertas, coloridas e ele me perguntou quando havia sido a última vez que alguém me havia dado flores. Não soube responder e um silêncio se fez entre nós, ele logo voltou a si deste estado de constrangimento e sinceridade, percebeu que mesmo sendo frequentada durante todo o dia por várias pessoas, nossas relações eram estritamente profissionais, embora minha principal função fosse propiciar alegrias fugazes aos meus clientes. Ao notar sua face enrubescida, decidi que ele deveria conduzir a conversa. O homem, pouco imaginativo diante de um universo de possibilidades que poderia lhe apresentar, voltou a falar sobre o calor que fazia naquela tarde, convidei-o para se aproximar do ventilador onde, quem sabe, ele recobraria o ânimo e deixaria que fizesse meu trabalho.
Um pouco mais animado e bem disposto, resolveu que era hora de voltar para casa, para a família e para a vida que continuava, alheia e independente de mim ou dele e da tarde que passáramos juntos. Percebi que relutava em me deixar e perguntei se realmente não havia nada que eu pudesse fazer por ele. Por segundos senti sobre mim o peso de seu olhar recriminador que num gesto quase telepático telegrafava: 'não percebe o quanto me ajudou?' desfeito o olhar, ele respondeu com calma: 'me veja, então, um envelope branco'.

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