quarta-feira, 21 de julho de 2010

Quer dar um rolê?


O dia começa e com ele vem a impressão de que será só mais um dia normal, impressão logo desfeita pela lembrança de que naquele dia deveria haver aula e a necessidade de pegar um ônibus até a escola. Junto com a constatação surgem rugas de preocupação ocasionadas pela memória recente dos seguidos apertumes, mas, logo, as rugas cedem lugar para um sorriso de canto da boca que, assim como as rugas, foi gerado pela lembrança de que as situações mais engraçadas e bizarras da semana acontecem dentro do ônibus.

Andar de ônibus em São Paulo é o caos e isso não precisa ser reforçado, já que é senso comum. É chocante como nos acostumamos a tudo, desde o que é bom ao que não é. Aqui, ao que tudo indica, todos já se acostumaram a viajar como sardinha em lata, há pouca reclamação, ninguém fica espantado depois de dar o sinal três vezes para os ônibus pararem e nenhum deles fazer isso devido ao excesso de passageiros (quando digo excesso me refiro ao fato de não ser possível embarcar nem pela porta traseira, é muito comum os motoristas darem carona quando não se consegue entrar pela dianteira). Enfim, todos se acostumaram à mazela que é precisar andar de ônibus nos períodos compreendidos entre as cinco e oito da manhã e das cinco da tarde até oito da noite.

Apesar de tudo, andar de ônibus pode ter alguma diversão para quem ainda não se cegou perante a rotina e o cansaço. Meus olhos ainda conseguem se encantar. Meu trajeto favorito, quando não estou com pressa, é ir da Zona Sul à Zona Oeste evitando o metrô. O percurso dura aproximadamente uma hora e quinze, dependendo de onde se quer ir na Zona Oeste. A peculiaridade pode se resumir ao trajeto em si, uma vez que o ponto de baldeação é o Terminal Princesa Isabel, praticamente no Centro, o que obriga o transeunte a observar alguns pontos notáveis da cidade, como o Parque do Ibirapuera, ainda na Zona Sul, o edifício parecido com o joguinho Tetris na Avenida 23 de Maio, Avenida São João, Angélica, Praça da República e por aí vai. Devidamente baldeada, dependendo do ônibus escolhido, se passa sob o Viaduto Antártica, sim, aquele da Arrancada Heróica de 1942... pelo Parque Antártica, SESC Pompéia e Parque da Água Branca, é uma parte muito bonita no percurso. Porém, ai porém, a beleza e excentricidade não se resumem às avenidas famosas e construções antigas do Centro, a chave do passeio perfeito está nos detalhes que compõem a paisagem, física e humana. Na região central, existem inúmeros sebos, brechós, lojas de móveis antigos, oficinas de luthiers, bem como cinemas abertos 24h, como aqueles do filme Taxi Driver, casas de evento que anunciam "veja o cartaz aqui dentro" (existe uma lei municipal que proíbe a exposição, em lugares públicos, de propaganda erótica). Há, também, templos que prometem ajuda espiritual, como a Casa do Pai da Luz, sem contar com os milhares de anúncios colados nos postes que oferecem de tudo um muito.

Os usuários do transporte público que fazem este percurso são, geralmente, trabalhadores e moradores das regiões do Brás e do Bom Retiro, ou seja, muitos bolivianos utilizam esta linha, bem como outros imigrantes que desejam chegar à polícia federal na Lapa. 

Dada a demora na conclusão da viagem, as pessoas escolhem várias formas de passar o tempo, são três as favoritas (em ordem de recorrência) dormir, ler, ouvir música. Em Itatiba, se demora no máximo 30 minutos de ônibus de um ponto mais distante ao outro, não havendo tempo para sonecas e leituras, já que ninguém vai de um ponto ao outro e a viagem acaba durando muito menos. 

Os usuários freqüentes do transporte público aqui em São Paulo passam boa parte do dia pulando de um ônibus para outro, às vezes intercalando com metrô e trem, é cansativo e irritante o desconforto, mas, apesar disso, todas as pessoas que não estão usando um fone de ouvido, dormindo ou lendo são sempre solícitas quando perguntadas sobre "como eu faço pra chegar nessa rua?" ou "qual o ponto de ônibus mais próximo desse lugar?" cujas respostas gentis são sempre agradecidas com um risonho "brigada, moço/a". O "moço/a" é só pra deixar claro que ela veio do Interior.

1 comentários:

Daniel Sant'Ana disse...

Muito boa a sua visão dos detalhes desse conglomerado humano, desse caos que confunde e encanta, desde o olhar curioso da criança até as já cansadas vistas dos velhos.