Acordou, não quis abrir a janela, tinha raiva de qualquer coisa que brilhasse daquela forma àquela hora da manhã. Permaneceu deitado com a cabeça desfeita na cama doendo. Entre o breve instante que separava a vida de seu término pensou que não era covardia, mas a saída digna de uma situação a qual já não se via mais pertencente. Julgou que era preciso coragem para empurrar as portas do desconhecido e, com sorte, inexistir.
Pegou o livro de cima do criado mudo e o dormiu sobre o peito que teimava em arfar, não tentou abrir, pois também se enraivecia com qualquer coisa que dali tentasse aconselhá-lo, a possibilidade ainda pairava no quarto abafado de janela escura.
Ouviu pingos de chuva batendo contra a janela e considerou por alguns instantes se deveria abri-la, decidiu não sentir a chuva ou a brisa que a acompanhava, mas tão somente adentrar mais e mais o torpor que ali se instalara, talvez, desde seu nascimento, embora não se considerasse nascido. Se não nascera, não haveria estágio intermediário, logo, um fim seria improvável. A ponderação ganhava corpo, fazia sentido, se tornava real.
Pela última vez pensou sem a obrigação de sentir. Decidiu que seria melhor acontecer naquele momento, antes que a fome viesse, trouxesse a dor de cabeça e a fraqueza, amigas da autocomiseração e, mais uma vez, se sentisse humano. Queria afastar de si toda humanidade, as duas.
Antes que a humanidade chegasse, se considerou sublime, além do bem e do mal, viu-se cheio de coragem para executar sua última ação digna, ou a única. As mãos tremeram, a cabeça tombou para o lado. Quando acordou se viu mais uma vez imerso na mesma miséria partilhada pelos outros seres humanos, já não se sentia especial e nem digno de uma saída digna. Em meio ao abandono percebeu que havia sido deixado, novamente, agora por ela, sua companheira nas duas horas recém corridas. A coragem também o abandonara. Era sim humano, demasiado humano.
2 comentários:
Me lembrou um texto meu. Adoro essas coisas do que vão e não vão e acabaram fondo! =)
Seu texto é sublime e dolorido como a humanidade da qual não conseguimos nos livrar...
(...)
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