
Leonardo Soares Grapeia
Certo dia, esperando o ônibus às seis e meia da manhã, pouquíssimo efusiva e ainda em um estado de semiconsciência, ouvi ao longe alguns ruídos semelhantes aos de briga. O ruído aumentou à medida em que um menino de mochila se aproximou do ponto de ônibus, me dei conta de que não havia briga, mas sim um aparelho celular nas mãos do garoto e o som insistentemente compartilhado comigo era cantado (?) por Marcelo D2, fazia menção a um jogador de futebol ex galático e agora gambático de vida pregressa traveca. Acredito que aquela fosse a única música no aparelho do menino, pois foi executada à exaustão, minha, claro. Travamos uma guerra psicológica naquele momento, meu singelo celular não toca mp3-4-5, faz, recebe ligação e sms, já considero isso uma maravilha da tecnologia. Ciente de meu handicap deixei meu aparelho tocando sob o banco, preferia isso à D2. Meu oponente se mostrou inamovível de seu propósito e a birrinha durou cansativos dois minutos, tempo que levou para a carrocinha, digo, perua escolar chegar para apanhá-lo.
Este acontecimento me fez pensar na elaboração de uma campanha sanitária, como aquelas que acontecem no Carnaval, sugiro aos governantes que distribuam fones de ouvido para a população celulítica, seria uma forma de prevenir surtos psicóticos, crise dos nervos e assassinatos por parte dos ouvintes passivos, mas como sei que essas coisas só acontecem lá em Pasárgada e pretendo não ir embora para lá, resolvi revidar e, como sempre, meu revide foi em forma de resistência pacífica. Agora ouço voices in my head, não, não fiquei louca por conta deste estado de coisas, comprei um mp3 player.Nestas poucas horas como dona e proprietária do aparelhinho senti uma mudança radical em minha forma de estar no mundo, ou melhor, na rua. Gosto de ter Eleanor Rigby como companhia, ainda mais quando me sento em uma lanchonete e o som ambiente é a trilha sonora de alguma novela mexicana, quando passo em frente às lojas e apenas vejo Michael Jackson dançando, quando promotores de venda percebem os fones em meus ouvidos e desistem de conversar comigo, bem como as pessoas excessivamente carentes que puxam assunto com todo mundo e me acham com cara de moça do tempo ou galo que muda de cor.
A luta continua, companheiros! Abaixo a ditadura da música imposta, me deixem escolher quando e o que escutar... colocar um fone nos ouvidos e sair pela rua me faz sentir só meio transeunte...eu gosto de ser transeunte inteira, ouvir o que acontece, a bronca da mãe no filho, o gracejo do menino para a menina, os peruanos-bolivianos que tocam El Condor Pasa.acho que continuarei exercitando a resiliência.
2 comentários:
deve virar regra !
Cherrie, excelente percepção traduzida num ótimo texto.
E eu pobre mortal achando que o fenômeno fosse "privilégio" de cidade grande, ávida colecionadora de barulhos esquizofrênicos, seja a britadeira, a buzina, o camelô de ônibus ou o vendedor da Pamonha (sim, isso existe aqui)... por que não a música alta e ruim ??
Música para as massas, música para todos é o que move o sentimento coletivo preponderante ... deturpa-se, ou melhor, vilipendia-se a generosidade.
Música só se divide em festa. No ambiente privado é igual papel higiênico.
"ADO, AADO."
E por que diabos quando um carro passa com som exageradamente alto não está tocando Chico Buarque, Radiohead, U2, Los Hermanos, Led Zeppelin ou Mutantes ?
O mundo tem mau gosto, em regra.
(embora esse papo seja altamente polêmico: já tentei desenvolver "a teoria do gosto superior" no blog falido e fui execrado, rotulado de esnobe e tudo ...)
Em síntese: quer ouvir sua música, ouça (e de preferência, não cante).
Compreender que isso é um ato individual é o que nos torna generosos.
Bjs.
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